Artigo: Golpes e Golpes

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O Brasil viveu dois golpes institucionais em pouco mais de 40 anos: 1964 e 2016.

Por: Luís Bassoli*

1964

  • O golpe militar foi a realização da tentativa da década anterior, com o fim do governo JK.
  • O mundo vivia a Guerra Fria, com o “fantasma do comunismo” atormentando os EUA.
  • Por isso, o golpe brasileiro foi apoiado e financiado pelo governo norte-americano, orientado pela CIA, a agência de informação.
  • A Marinha (USNavy) e a Força Aérea (USAF) estadunidenses deflagraram a “Operação Brother Sam”:
  • A USNavy disponibilizou o porta-aviões USS Forrestal, um porta-helicópteros, seis navios de guerra e mais quatro navios petroleiros.
  • A USAF operou sete aviões de carga/transporte de tropas, oito de abastecimento, um de apoio, um de comunicação, oito caças, além de armas e munição.
  • A frota se posicionou no litoral brasileiro para garantir o sucesso dos golpistas, pronta para entrar em combate, se houvesse resistência do governo João Goulart.
  • A decisão de apoiar o golpe foi do presidente Lyndon Johnson, sucessor de John Kennedy; a CIA e as Forças Armadas norte-americanas mantiveram contato com o general Castelo Branco, que solicitaria ajuda, se necessário.
  • Internamente, os golpistas tinham o apoio do empresariado, da grande mídia (com destaque para a Rede Globo), de vários políticos, entre eles os governadores de SP, Ademar de Barros, e da Guanabara, Carlos Lacerda, e de boa parte da população.
  • O presidente Jango quis evitar uma guerra civil, e os militares instituíram um regime de terror: o exílio do próprio presidente e do ex-presidente JK, censuras, cassações de mandatos, prisões sumárias, torturas, assassinatos.
  • As ditaduras da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai, Colômbia e Peru, sob a tutela dos EUA, formaram uma associação, a Operação Condor, através da qual os governos golpistas davam sustentação uns aos outros.

2016

  • Já em 2016, o golpe no Brasil não foi “explícito”, mas “disfarçado”, com ares de legalidade.
  • Apoiado pela grande mídia e com o engajamento de parte do judiciário e do ministério público, o Congresso usurpou de seus poderes e derrubou uma presidenta eleita, que não cometera nenhum crime.
  • Não houve a participação efetiva dos militares, também não houve censura, cassações, exílios, torturas nem assassinatos – a única prisão arbitrária foi a do ex-presidente Lula, revertida pelo STF, com apoio da ONU.
  • Sob a égide do princípio da não intervenção, disposto nos Tratados da Organização dos Estados Americanos – OEA, os países das Américas não se manifestaram sobre a destituição da presidenta, porque se passou a imagem de que o impeachment teria seguido a Constituição.
  • Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito, pelo voto em urnas eletrônicas, com o apoio explícito ou velado da grande mídia, do empresariado, dos futuros governadores de SP, João Dória, e do RJ, Wilson Wiltzel, além de senadores, deputados e prefeitos: obteve 55% dos votos, contra 44% de Fernando Haddad.
  • Ao assumir, cooptou parte dos oficiais de alta parente, sobretudo do Exército, alocando-os em cargos executivos, com salários milionários.
  • Com uma gestão desastrosa, Bolsonaro vive o devaneio de dar um golpe de Estado, mas não tem ideia de como fazer isso.

2022

  • Ao contrário de 1964, Bolsonaro tem o repúdio – e não o apoio – do governo norte-americano; a CIA, ao invés de orientar o golpe, sugeriu ao presidente brasileiro que “parasse de atacar a Democracia”; nem a Marinha nem a Força Aérea americanas mobilizaram um barco sequer e nenhum avião.
  • A postura do atual presidente Joe Biden é oposta a do congênere Lyndon Johnson: enquanto Johnson conspirava com o general Castelo Branco, Biden nunca sequer se encontrou com Bolsonaro.
  • Hoje não há nenhum tipo de Operação Condor: Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia são democracias – e nenhum governo chancela as teses golpistas do bolsonarismo.
  • À censura imposta pelo SNI em 1964, o bolsonarismo tenta usar a disseminação de fake news, através do gabinete do ódio.
  • Para impedir o acesso às provas dos crimes, Bolsonaro distribui ordens de sigilo de até 100 anos aos documentos comprometedores, e transfere delegados federais que investigam sua família.
  • Recentemente, ofereceu graça (indulto) para um aliado se valer da impunidade.
  • Mas, diferentemente, também, de 2016, Bolsonaro não conta mais com o apoio da grande mídia, nem dos governadores de SP e RJ.
  • Bolsonaro mantém uma base de apoio volátil na Câmara dos Deputados, sustentada na distribuição de verbas e cargos para o Centrão; enfrenta uma oposição considerável no Senado; se vê diante de um Supremo mais assertivo na defesa da Democracia – e conta apenas com o Procurado-Geral da República como seu guardião.
  • Perdeu o apoio efusivo do empresariado e apresenta índices de rejeição de cerca de 60%.

CONCLUSÃO

  • Bolsonaro está só em seu devaneio golpista, cercado de bajuladores, militares cooptados – e de uma horda de fanáticos, que inclui pastores neopentecostais fundamentalistas.
  • Acrescenta-se a isso a reação ocidental à invasão russa na Ucrânia, cujas pressões econômicas, com bloqueio de bens e valores do governo russo e de empresários simpáticos a Vladimir Putin, nos EUA, Canadá e Europa, está minando a forte economia da Rússia.
  • Caso medidas semelhantes sejam impostas à tal ditadura bolsonarista, o Brasil entra em colapso em semanas.
  • Diante disso, é pouco provável que bolsonaro consiga dar um golpe de Estado, nem aos moldes de 1964, nem aos de 2018.

* Luís Bassoli é advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga (SP).

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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